O conto é um texto narrativo centrado em um relato referente a um
fato ou determinado acontecimento. Sendo que este pode ser real, como é o caso
de uma notícia jornalística, um evento esportivo, dentre outros. Podendo também
ser fictício, ou seja, algo resultante de uma invenção.
No que
se refere às origens, o mesmo remonta aos tempos antigos, representado pelas
narrativas orais dos antigos povos nas noites de luar, passando pelos gregos e
romanos, lendas orientais, parábolas bíblicas, novelas medievais italianas,
pelas fábulas francesas de Esopo e La Fontaine, chegando até os
livros, como hoje conhecemos.
Em meio a esta trajetória, revestiu-se de inúmeras classificações, resultando nas chamadas antologias, as quais reúnem os contos por nacionalidade: brasileiro, russo, francês e por categorias relacionadas ao gênero, denominando-se em contos maravilhosos, policiais, de amor, ficção científica, fantásticos, de terror, mistério, dentre outras classificações, tais como tradicional, moderno e contemporâneo.
Perfaz-se de todos os elementos que compõem a narrativa, ou seja, tempo, espaço, poucos personagens, foco narrativo de 1ª ou 3ª pessoa, corroborando em uma sequência de fatos que constituem o enredo, também chamado de trama.
E um dos fatores de total relevância, é que o enredo apresenta-se de forma condensada e sintética, centrado em um único conflito. Tal característica tende a criar o que chamamos de unidade de impressão, elemento que norteia toda a narrativa, criando um efeito no próprio leitor, manifestado pela admiração, espanto, medo, desconcerto, surpresa, entre outros.
Fazendo
referência a toda estética textual, observaremos alguns fragmentos inerentes a
uma das criações de um importante contista de nossa contemporaneidade, Dalton
Trevisan:
Apelo
Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para
dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de
esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na
mesa por engano, a imagem de relance no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua
perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou
debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou
mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da
noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na
varanda, a todas as aflições do dia.
Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate — meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolha? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.
ATIVIDADE
1. Análise e interpretação do conto
TENTAÇÃO
Ela estava com soluço. E como se
não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.
Na rua vazia as pedras vibravam
de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela
suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do
bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a
interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado
na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras,
desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de
morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia
futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto
ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a
salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um
amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.
Foi quando se aproximou a sua
outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação
surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na
figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade.
Era um basset ruivo.
Lá vinha ele trotando, à frente
de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.
A menina abriu os olhos pasmada.
Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos
se olhavam.
Entre tantos seres que estão
prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao
mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o
sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço
sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do
soluço e continuou a fitá-lo.
Os pêlos de ambos eram curtos,
vermelhos.
Que foi que se disseram? Não se
sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo.
Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com
encabulamento, surpreendidos.
No meio de tanta vaga
impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E
no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos
esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne.
Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o
suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.
Mas ambos eram comprometidos.
Ela com sua infância impossível,
o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com
sua natureza aprisionada.
A dona esperava impaciente sob o
guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela
ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe
compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada
sobre a bolsa e os joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina.
Mas ele foi mais forte que ela.
Nem uma só vez olhou para trás
(Conto extraído de LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1981.)
Após ler o texto, responda:
1. Quem são as personagens principais? O que elas têm em comum?
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2. O que a menina fazia sentada na porta de casa, às duas horas da tarde?
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3. Onde se passa a história? Retire do texto uma frase que apresenta uma
característica marcante do cenário.
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4.De acordo com o texto, como a menina se sentia em relação a outras
pessoas? Retire do texto uma frase para justificar sua resposta.
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5. “Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava.” O que a menina
suportava?
Indique a alternativa que melhor responde a questão:
(a) a pessoa que esperava o bonde
(b) a bolsa velha (c) o calor e a solidão (d) sua mãe
6. “O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida.” Do
que a bolsa a salvava?
(a) do calor excessivo (b) da solidão,
já que a bolsa era sua companhia
(c) das brigas com a mãe
(d) do homem que esperava o bonde
7) No texto, quem é o narrador?
( a ) a mãe
(c) alguém que não presente na história
(b ) alguém presente na história, mas sem participar muito (d) a menina ruiva
8) Retire do texto um trecho em
que se percebe a presença do narrador como personagem.
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9) O que o narrador fazia naquele lugar ?
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10)Pode-se dizer que o narrador se identifica com a menina? Por quê?
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11) O cão basset provoca uma mudança na cena inicial. Qual a reação da
menina e do cão quando se veem ?
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12) “Mas ambos eram comprometidos.” Segundo o texto, com o que eles eram
comprometidos ? O que isso pode significar?
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13) Por que o cachorro não olhou para trás?
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14) Considerando a reação da menina e do cão quando se encontram e a
resposta à questão 12, o que o título TENTAÇÃO pode indicar?
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15) Qual é o tema central do texto?
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Questões para debater:
No texto, a menina se sente diferente dos outros, o que intensifica a
solidão dela. Ser diferente dos demais gera solidão?
Você já se sentiu excluído ou sozinho por ser diferente dos outros?
Qual é sua opinião sobre isso?
RESPOSTAS:
1. A menina e o basset. Ambos
são ruivos.
2. Resposta pessoal - Ela olhava
o movimento...tomava sol... esperava passar o soluço etc.
3. No bairro Grajaú, Rio de
Janeiro. “Na rua vazia as pedras vibravam de calor”
4. Se sentia diferente,
discriminada, provavelmente porque era ruiva. “Numa terra de morenos, ser ruivo
era uma revolta involuntária.”
5. Resposta C
6. Resposta B
7. Resposta B
8. “Olhamo-nos sem palavras...”
9. Provavelmente espera o bonde.
Em certo trecho ele diz ele diz “Na rua deserta nenhum sinal de bonde.”
10. Sim. Resposta pessoal. Talvez
o narrador se sentisse assim porque o calor era insuportável e o bonde não
vinha logo; vendo a menina ruiva “numa terra de morenos”, sozinha, sem nada de
interessante para fazer, naquele calor insuportável.
11. Resposta pessoal. Sugestão: Se
identificaram um com o outro: ambos eram ruivos e solitários, poderia nascer
daí uma grande amizade.
12. Ela estava comprometida com
sua infância e o cão, com sua natureza aprisionada. Isso significa que eles não
podem ficar juntos, pois têm naturezas diferentes, não podem fazer companhia um
ao outro.
13. Ele deveria seguir sua dona, não tinha outra escolha.
14. Pode se referir ao impulso de
ficarem juntos (a menina ruiva e o basset ruivo), uma tentação de se
pertencerem.
15. O tema central é a solidão.
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